terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Mal de Alzheimer - o mal do seculo é a solidão.

O mal do seculo é a solidão 
Cada um de nós imersos em nossa própria arrogância
Esperando um pouco de afeição.
Esperando por mim -  Legião Urbana

Estou a tempos para escrever sobre este assunto.
Sabe tem assuntos que são delicados e que por varias questões tentamos afasta-los de nossos corações e mentes.
Então aos 15 anos eu vim morar com a minha avó paterna, junto com a minha mãe. Isso para mim já era complicado pois tinha perdido meu pai e também o meu referencial de casa até aquele momento.
Isso era uma catarse diária na minha mente, de ter que viver num espaço que não era o meu, mas do outro lado tinha a convivência com a minha avó, que poderia ser algo revelador, novo e cheio de aprendizado.
Não sei se foi isso que aconteceu, mas logo descobri que conviver com a minha avó não seria a tarefa mais fácil e prazerosa como sonhava e muito menos rápida, pois a intenção de minha mãe e minha era de termos nosso canto e deixar a minha avó continuar morando sozinha em seu ap.
Fato que tinhamos ideia que ela já estava muito esquecida das coisas e repetia varias vezes as mesmas perguntas: que dia é hoje? Hoje é domingo? Tem pão em casa? Tem pouco pão?
Acho que no inicio estava mais preocupada em entender como seria a minha vida sem meu pai naquele momento do que entender as repetições de minha avó. Entender que ela já estava muito doente, já tinha perdido muito de si, mas não tínhamos ideia da gravidade.
Foi o tempo de seis meses, para perceber que a ideia de ir morar em outro lugar foi se diluindo no espaço tempo, pois as necessidade de assistência da minha avó iam se tornando maiores para mim e minha mãe.
Foi só em 1997 que de fato tivemos plena certeza que a minha avó tinha o mal de Alzheimer, pois até ali tínhamos apenas a certeza que ela estava doente, com um grau de perda de memoria elevada, com baixo reconhecimento das pessoas e por muitas vezes querendo ir para a casa dela, pois está já não o era.
Sim, muitas vezes pensei somos culpadas por ela estar assim. Mas ao mesmo tempo pensava e se ela estivesse sozinha como estaria? Seria melhor para ela a solidão e falta de percepção da doença?
É fato que é difícil admitir que alguém que amamos deixe de existir ou por morte ou por esquecimento.
Aprendi cedo a lidar com a morte. Para mim era como ver a minha avó morrer lentamente perdendo sua identidade, esquecendo o meu nome, o nome de minha mãe, o nome dos amigos, por fim acho que ela só via a imagem do marido em tudo, pois este ela nunca esqueceu.
Durante os anos de 95 e 98, minha avó ainda esperava meu avô chegar em casa, como ele ainda estive-se em vida. Se dissemos que ele já havia falecido, ela caia em prantos e não aceitava a morte do mesmo, contudo quando falávamos que meu pai tinha falecido ela aceitava e entendia, como se a morte do filho que foi quatro anos depois já tivesse acontecido a muito tempo e isso não a incomodava.
Para mim era triste, me sentia presa a ver a minha avó se esquecendo, e vendo a minha mãe enlouquecendo por não aceitar viver aquela situçaõ, por querer ir embora, por ver seus projetos de vida morrendo.
Sim a doença levou consigo alguns anos da minha juventude, dos meus hábitos, dos meus sonhos. Me fez abrir mão de mim em prol da minha avó, que não me reconhecia a certa altura mais como neta, passei me chamar de menina; -Ah a menina !! Você ta ai!
Em 97 mesmo se começou um tratamento, mas que pelo meu ver era apenas paliativo  fabuloso pois ela conseguia conversar ainda mesmo que sempre os mesmos assuntos eu ainda a compreendia. Com o tempo as doses dos remédios precisavam ser aumentadas, para continuar os efeitos, mas nem isso surtia o mesmo resultado.
Era triste saber que o fim, não era a morte em si, mas morrer para vida. 
Aos poucos a minha avó também deixou de falar, deixou de comer, esqueceu que tinha que ir ao banheiro, esqueceu de movimentar, de fazer ginastica, de andar, esqueceu de se levantar da cama.
Entre 1999 e 2002, praticamente a carregávamos de um lado para outro da casa, dávamos comida na boca,  dávamos banho, arrumávamos  penteávamos  conversarmos com ela e tentávamos integraliza-la de algumas forma para a mantermos humana, mesmo ela não falando nada ou falando: nhan nhan nhan e mexendo a mão direita quase toda atrofiada só com o dedo indicador apontado pra fora e sorrindo pra você  num gesto de esperança em meio caos.
Ela faleceu em janeiro de 2002, apos um mês brigando com mais um pneumonia, prestes a ter alta para voltar para casa.
Não sei se foi um descanso para ela ou um peso para nós. Mas demoramos ainda quase dois anos para termos uma outra rotina social sem a minha avó. Pois a vida num período de 8 anos foi na função dela.
O Alzheimer é silencioso, talvez maltrate mais quem convive com o doente do que o próprio doente, pois quem ainda detem a memoria não aceita que o outro não o lembre ou reconheça.
Acho que meu tio só entendeu a doença quando numa das ultimas vezes que ele esteve na minha casa a minha avó o chamou de Arno e tentou beija-lo como marido. Meu tio ficou uma mistura de raiva e constrangimento, a minha avó não o mais reconhecia o filho vivo.
E eu já tinha me acostumado com isso.
Para mim a morte dela de fato, trouxe outros problemas e me fazem sempre refletir como a vida pode ser bela, imperiosa, e esquecida.

Aos que convivem com alguém com Alzheimer, não tenha medo, não é contagioso. Também não se ausente, procure ajuda, a minha mãe procurou a associação de amigos de portadores do mal. Também não pense que só com a sua família acontece isso, pois muitos hoje ainda sofrem calados com medo e vergonha. Também não pense que ira resolver isso sozinho e que é algo passageiro, pois aviso logo não é, e pior pode ser longo e sera necessária toda ajudar que puder. Muitos perdem o chão quando veem o matriarca da família se desconhecer ou desconhecer os familiares, e logo acharem que a família acabou, digo é hora de se unirem ainda mais e dividirem nas tarefas e nas atenções.
Mas se unica saída que você entende como possível a sua família: o asilo, então busque um que tenha como estar sempre presente, próximo, que visite com regularidade, mantenha tudo que seu familiar precise para viver ali da melhor forma possível. Só assim a gente se sente menos culpado ou mais aliviado de estar tentando fazer o melhor.

Por fim entendo que hoje o mesmo mal tem tratamento, mas o maior mal da humanidade, que pode também ser a causa do mal de Alzheimer é a solidão. Aquele mal silencioso, do qual acreditamos nunca passar e por muitas vezes duvidamos que ele de fato existe. A maior solidão não é estar só é a de se sentir só no mundo, mesmo quando todos estão ao seu lado.



Um comentário:

PAULO TAMBURRO. disse...

ZERFAS,

sei que minha revolta jamais será compreendida como politicamente correta, mas lido muito mal com a morte, o sofrimento , a velhice e que se dane quem pense o contrário.

Detesto imaginar na sofreguidão e últimos momentos pelo qual passaremos.

Que seja esta a minha posição: Abomino a ideia de que certamente, um dia irei passar por isto tudo!

Momentos que em nada, irão lembrar-me que a dignidade humana mereceria mais respeito e que a morte e suas emporcalhadas manifestações sintomatológicas, deveriam apenas ser prerrogativas para os porcos, gados,elefantes,lacraias,moscas varejeiras e o escambau.

Com seres humanos teria obrigatoriamente, que ser diferente!!!

Um abração carioca.

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